Carne ‘cheia de hormônios’: acusações da França contra o Mercosul não representam realidade, dizem especialistas

Discussão tem como pano de fundo acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia e declarações do presidente do Carrefour Global sobre a qualidade do produto. Carne bovina
Emerson Vieira/Unplash
A carne produzida por países do Mercosul foi comparada a lixo por parlamentares franceses, na última terça-feira (26). Mas, para representantes do setor e pesquisadores, as falas não refletem a realidade de produção do bloco, principalmente considerando o Brasil.
As acusações aconteceram durante uma votação simbólica sobre o acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia.
Na sessão em que reforçaram a posição contrária ao acordo, os parlamentares disseram que o gado do Mercosul é criado:
“cheio de hormônios de crescimento”;
com uso “massivo de antibióticos”;
com alimentação com base de soja transgênica.
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O g1 ouviu representantes da associação do agro brasileiro e da fiscalização da pecuária, e também um pesquisador do setor, que comentaram as acusações.
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Os especialistas destacaram que, no Brasil:
➡️o uso de hormônios de crescimento é proibido.
➡️os antibióticos são usados apenas quando o animal está doente, com prescrição médica. Conforme cada componente usado, há um período de carência para o abate.
➡️existem aditivos para rações que são antibióticos, mas eles agem unicamente nos microrganismos que otimizam a digestão do gado.
➡️o gado brasileiro, de fato, se alimenta de soja transgênica. Contudo, não existem estudos que apontem que ela seja prejudicial à saúde. Esse seria o modo de produção mais comum no mundo inteiro. Além disso, a soja brasileira também é exportada para a França, para alimentar o seu próprio gado.
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Tensão entre os blocos
As falas dos parlamentares franceses aconteceram no mesmo dia em que o presidente do Carrefour Global, Alexandre Bompard, se desculpou por questionar a qualidade da carne do Mercosul.
Na retratação, ele disse que a carne brasileira é de alta qualidade e que respeita as normas.
O pedido de desculpas era esperado pelo governo brasileiro depois que Bompard, ao anunciar o veto à carne do Mercosul nas lojas francesas da rede, o executivo questionou a qualidade do produto, citando o risco de “inundação do mercado francês com carne que não atende às suas exigências e normas”.
A fala irritou também os produtores, e o Carrefour chegou a sofrer boicote dos fornecedores a suas lojas no Brasil.
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Uso de hormônios
Uma das acusações feitas pelos deputados franceses durante a sessão da terça-feira foi que a carne sul-americana é produzida com uso de hormônios.
Trébuchet, por exemplo, disse que as carnes sul-americanas são “cheias de hormônios de crescimento”.
No Brasil, a Instrução Normativa n° 55 de 2011, do Ministério da Agricultura e Pecuária, determina que:
🚫é proibido o uso, a importação, produção e comercialização de hormônios de crescimento;
👍é permitido o uso de hormônios para fins terapêuticos, ou seja, para o tratamento de doenças, e para a reprodução ou inseminação.
Uma outra instrução proíbe o uso de hormônios de crescimento para suínos e aves (saiba mais sobre o mito do hormônio no frango).
Um dos hormônios utilizados usados para reprodução e inseminação é o estradiol, que faz com que todas as fêmeas entrem no cio no mesmo período. Ele é produzido naturalmente pelas vacas.
A aplicação artificial acontece em quantidades menores do que seria produzido pelo próprio animal, explica Rondineli Pavezzi Barbero, professor de bovinocultura de corte na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
“As fêmeas que a gente abate não entram em reprodução. O animal que eu abato é o jovem”, explica Lucchi, da CNA.
Para se certificar que a norma está sendo cumprida, existe no Brasil o Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC), em que é feita uma avaliação de risco com base técnica e no histórico de detecções. Em 2023, por exemplo, 99,76% da carne analisada pelo programa estava em conformidade.
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Uso de antibióticos
A deputada Helene Laporte associou a competitividade dos exportadores brasileiros ao “uso massivo de antibióticos”.
Mas a venda de antibióticos é feita com base em prescrição médica veterinária, segundo Instrução Normativa nº 26, de 2009 do Ministério da Agricultura.
O Brasil segue normas internacionais do Codex Alimentarius, que é um programa conjunto da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ele foi criado em 1963 com o objetivo de estabelecer normas internacionais na área de alimentos, incluindo diretrizes, padrões de produtos e códigos de boas práticas.
Além do Brasil, o Codex tem outros 188 membros, incluindo a União Europeia, da qual a França faz parte.
O programa diz que antibióticos podem ser usados em tratamentos e prevenções.
O Brasil também participa desde 2018 do Plano de Ação Global de enfrentamento às superbactérias, que são resistentes aos antibióticos.
Esse plano é de uma aliança entre OMS, Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA), FAO e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Com base nele, o Brasil criou o próprio plano para este controle no uso de antibióticos, explica Henrique Pedro Dias, diretor de Política Profissional do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical).
Existem, de fato, aditivos alimentares que são também antibióticos. No Brasil, algumas dessas substâncias são proibidas, conforme diferentes instruções normativas.
A mais recente é a de n°01 de 2020, que proibiu os componentes tilosina, lincomicina e tiamulina.
O professor Barbero explica que os aditivos estimulam o desenvolvimento de microrganismos que ajudam na digestão do alimento. Alguns deles, inclusive, podem fazer com que o animal emita menos metano, que contribui para o efeito estufa.
Ele disse ainda que existem diversas pesquisas que buscam alternativas, como o uso de óleos essenciais que podem causar o mesmo efeito.
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Soja transgênica
Os parlamentares também levantaram o uso de soja transgênica na ração do gado brasileiro como algo negativo. Mas os entrevistados pelo g1, na realidade, acharam que a visão é equivocada.
“Na verdade, toda a soja hoje do mundo inteiro é transgênica. Nós produzimos soja convencional e orgânica, tem mercado para isso”, explica Lucchi, da CNA.
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“O farelo de soja [usado na produção de ração] que a França usa é o mesmo que é produzido no Brasil. Então, se a gente tivesse problema em alimentar o nosso animal com soja transgênica, eles também teriam lá”, afirma o diretor da CNA.
Em 2023, o Brasil exportou mais de 10,2 milhões de toneladas de farelo de soja para a União Europeia, terceiro maior destino do produto, segundo o Agrostat, plataforma do Ministério da Agricultura e Pecuária.
Barbero aponta que não há estudos que apontem que a soja transgênica faz mal à saúde de quem consome carne. E destaca que o uso de soja transgênica permite o menor uso de agrotóxicos, uma vez que a tecnologia é feita para gerar uma planta mais resistente às pragas e doenças.
Diferente da Europa, o gado brasileiro se alimenta majoritariamente de pasto e não de ração em confinamento, devido às condições climáticas.
“Esse ano eu vou abater 38 milhões de animais. A nossa estimativa é de 7 milhões vão passar pelo confinamento. Então, 18% dos animais abatidos no Brasil ficam com uma em ração por um período de 3 a 4 meses”, diz Lucchi.
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