Grão foi tema de polêmica na semana, após executivo da Danone dizer que a multinacional francesa não compra mais a soja nacional; depois, empresa negou. Produtores, indústria e ambientalistas destacam que a produção segue regras de sustentabilidade, sobretudo na Amazônia. E apontam os próximos desafios. Itapetininga é o principal produtor de soja de SP
CNA/Wanderson Araujo/Trilux
A soja brasileira foi assunto nesta semana, depois de uma fala do diretor financeiro global da Danone repercutir negativamente entre o governo brasileiro e os agricultores do país.
Juergen Esser disse à agência Reuters que a gigante de laticínios tinha deixado de importar soja brasileira.
Sem explicar motivos, ele afirmou que a multinacional francesa estava importando soja da Ásia e acrescentou: “Nós realmente temos um rastreamento muito completo, então garantimos que levamos apenas ingredientes sustentáveis do nosso lado”, de acordo com a reportagem.
O Ministério da Agricultura e produtores de soja repudiaram as falas, defendendo a produção brasileira, a maior do mundo.
Sem explicar a fala de Esser, a Danone Brasil e a presidente da Danone América Latina disseram que a divulgação tinha “informações incorretas” e que os países onde a empresa está continuam comprando soja nacional.
Tudo aconteceu às vésperas de entrar em vigor a lei da União Europeia que proibirá a importação de produtos vindos de áreas que foram desmatadas depois de dezembro de 2020.
Conhecida como European Union Deforestation Regulation (EUDR), ela começa a valer no próximo dia 30 de dezembro, mas pode ser adiada em 1 ano.
➡️ Afinal, a soja produzida no Brasil poderá ser vendida para União Europeia quando a regra começar? A lei prejudica o comércio com a UE? A produção brasileira segue padrões de sustentabilidade?
O g1 ouviu associações de produtores e da indústria da soja, que têm participado de discussões com a Europa sobre a nova regra, e também ambientalistas. Eles destacaram os seguintes pontos:
a lei europeia mira apenas produtos que vêm de floresta, o que abrange somente a soja da Amazônia e de parte do Cerrado, onde existe pouca produção em áreas de desmatamento, segundo Bernardo Pires, diretor de sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
na Amazônia, por exemplo, existe um acordo para que empresas de exportação não comprem soja de área que tenha sido desmatada a partir de 2008, chamado Moratória da Soja. Por causa dele, o Brasil tem, hoje, ferramentas para rastrear o grão e atender ao mercado europeu, diz Cristiane Mazzetti, coordenadora da frente de florestas do Greenpeace Brasil;
mas a associação dos produtores (Aprosoja) alertou, em julho, sobre incertezas com relação ao sistema de checagem e auditagem que seria implementado pelos europeus e a preocupação de que os custos e riscos para o cumprimento da norma “gerem lentidão ou queda no comércio, ou pior, redução no preço pago ao produtor”;
o fato de a lei europeia não diferenciar desmatamento ilegal do legal (previsto no Código Florestal brasileiro) também é um ponto de atenção, diz Sueme Mori, diretora de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA).
não existe uma Moratória da Soja para o Cerrado, onde está a maior parte da área plantada de soja no Brasil; ela é defendida por ambientalistas.
Saiba mais sobre esses desafios abaixo.
De onde vem a soja?
Pires, da Abiove, explica que, dos 87 milhões de hectares do território brasileiro (cerca de 10%) usados na agricultura, “quase metade é soja (46 milhões de hectares)”. Um hectare é igual a 10.000 metros quadrados, pouco mais do que um campo de futebol.
Segundo ele, a produção do grão se divide assim:
50% (23 milhões de hectares) no Cerrado;
24% (11 milhões) na Mata Atlântica;
16% (7,4 milhões) na Amazônia;
10% (4,5 milhões) nos Pampas, que ficam na Região Sul.
Ainda de acordo com Pires, a soja plantada no Brasil em área de desmatamento, depois de dezembro de 2020 – período que é enquadrado na lei europeia —, corresponde a pequenos percentuais de toda a área desse cultivo:
0,4% da soja na Amazônia;
0,8% da soja no Cerrado.
Essas seriam as áreas cujo produto seria vetado pela UE, quando a lei entrar em vigor. Os dados acima são de um levantamento encomendado pela Abiove à Agrosatélite Tecnologia – empresa comprada pela Serasa Experian em 2023. Ela atua na Moratória da Soja, que regula a produção na Amazônia.
“Hoje o impacto (da nova lei europeia na exportação de soja para a UE) seria relativamente pequeno”, diz Pires. “Então, não é justo classificar o Brasil inteiro como um país de alto risco para soja, como eles (europeus) vêm afirmando há muito tempo.”
Arroz branco, parboilizado e integral: entenda as diferenças
A Moratória da Soja e a Amazônia
🔎 O que é? A Moratória da Soja é um acordo voluntário firmado em 2006 entre ONGs, empresas e associações do agro, no qual as tradings – responsáveis pela exportação e importação – se comprometem a não comprar soja de áreas que tenham sido desmatadas de 2008 em diante, na Amazônia. Ou seja, ainda antes do período enquadrado na lei europeia, que é depois de 2020.
O acordo conta com a participação da Abiove, da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), além de organizações ambientais como o Greenpeace, WWF e Imaflora.
Ele levou a uma redução da produção de soja em áreas desmatadas, diz Pires, apesar de o cultivo na Amazônia ter aumentado de lá para cá.
“A Moratória provocou uma expansão do plantio para terras desmatadas antes de 2008”, explica o diretor da Abiove. “Na Amazônia, 97% da produção de soja está em áreas abertas antes desse período.”
“Na época em que o acordo foi feito, em 2006, tinha 1,4 milhão de hectares (de soja plantada na Amazônia). Em 18 anos, teve um incremento de 6 milhões hectares”, diz Pires.
“Desses 6 milhões de hectares que foram incorporados os últimos 18 anos, apenas 250.000 hectares foram em cima de desmatamento da floresta, de acordo com monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)”, completa.
Mesmo assim, diz Pires, a área plantada é pequena: “98% da Amazônia não tem soja (…) Isso o Macron também não sabia quando fez aquele discurso”.
Em 2021, o então presidente da França, Emanuel Macron, postou em suas redes sociais que “continuar dependendo da soja brasileira é endossar o desmatamento da Amazônia”. Ele não apresentou dados que sustentassem a afirmação. “Nós precisamos da soja brasileira para viver? Então nós vamos produzir soja europeia ou equivalente”, completou.
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A situação do Cerrado
Não existe, no entanto, uma Moratória para o Cerrado, onde está a maior parte da soja.
Nessa área, o Matopiba é a região que demanda mais atenção, segundo Pires, pois é para este local que o plantio do grão tem se expandido, a partir do desmatamento de novas áreas.
O Matopiba compreende partes dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, daí o apelido.
Lá, diz o diretor da Abiove, 2,5% da área de cultivo foi desmatada depois de dezembro de 2020 e, consequentemente, teria seu produto barrado na Europa.
“Hoje, seriam 2,5%, mas, daqui a dois anos, pode ser que sejam 5%”, alerta. “Se os produtores insistirem em converter Cerrado em área com aptidão agrícola, eles terão muitos problemas de comercialização.”
Ambientalistas defendem que a moratória seja expandida para o Cerrado.
Cristiane Mazzetti, do Greenpeace Brasil, lembra que isso já foi tema de discussões no passado, mas encontrou resistências por parte de produtores, principalmente no que diz respeito ao conceito de desmatamento zero.
O governo do Mato Grosso aprovou uma lei, no final de outubro, que restringe a concessão de benefícios fiscais a empresas que aderirem à Moratória da Soja, lembra Alice Thuault, diretora-executiva do Instituto Centro de Vida (ICV), organização que investiga sustentabilidade e uso de recursos naturais.
Principal produtor de soja do Brasil, o Mato Grosso é composto por cerca de 50% do bioma amazônico e 40% de Cerrado.
“É um retrocesso. [Essa lei do Mato Grosso] acaba com esse instrumento [da moratória] e vai contra o objetivo de pôr em prática uma produção de soja sustentável, que é o que demandam mercados consumidores, como a União Europeia”, pontua Alice.
Desafios do rastreamento
Na visão de Pires, da Abiove, agora, os desafios da lei europeia para a soja brasileira estão mais ligados ao rastreamento.
O Brasil já tem experiência com esse acompanhamento por causa da Moratória, como lembrou Cristiane Mazzetti, do Greenpeace. Funciona assim:
todos os anos, a Agrosatélite cruza dados de áreas de soja com terras desmatadas após julho de 2008, na Amazônia;
esse cruzamento de dados dá origem a uma lista de fazendas com a qual as tradings signatárias da Moratória não devem negociar, explica Cristiane.
“Ao longo do tempo, as tradings implementaram sistemas para poder bloquear os fornecedores que têm relação com o desmatamento”, acrescenta a coordenadora do Greenpeace.
Mas Pires, da Abiove, alerta que ainda é não possível rastrear toda a cadeia. “Se o produtor tiver 10 fazendas, você perde a rastreabilidade”, diz.
Segundo ele, é importante conseguir o engajamento dos produtores indiretos, algo que também é um gargalo para a rastreabilidade da carne, como o g1 mostra na série Prato do Futuro.
“(É preciso) evitar triangulação, que é quando o produtor tem quatro fazendas, uma está ruim e as outras três estão boas, e ele ‘lava’ a cultura agrícola por aquela que está boa”, exemplifica.
Conflito com o Código Florestal
O ponto que preocupa a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) em relação à lei europeia é que, ao contrário do Brasil, ela não diferencia desmatamento legal do ilegal.
🔎 O que é o desmatamento legal: no Brasil, é considerado desmatamento legal aquele que acontece com autorização dos órgãos competentes e fora de áreas destinadas à preservação, devolutas ou de domínio público.
O Código Florestal, de 2012, permite que um produtor rural consiga autorização para desmatar parte de sua área para para cultivo agrícola ou criação de animais. Os limites variam conforme a região:
na Amazônia, esse percentual é de até 20%;
no Cerrado, varia entre 35% e 20%.
O texto europeu fala apenas em “desmatamento zero”, segundo Sueme Mori, diretora de relações internacionais da associação, que participa das negociações com o bloco europeu junto ao governo brasileiro e a outras entidades do setor privado.
Ela diz que o Brasil tem dialogado muito com a UE para que haja esclarecimento sobre esse ponto, mas que o bloco não tem cedido.
Cristiane, do Greenpeace, lembra que, na Amazônia, a Moratória da Soja já trabalha com o conceito de desmatamento zero e, justamente por isso, as empresas signatárias do acordo têm condições de atender à Europa.
O problema, para Sueme, é quando um mesmo produtor tem áreas abertas em diferentes períodos. Ele pode ter cultivos de soja numa terra aberta antes de dezembro de 2020 — período enquadrado na lei europeia — e depois disso.
O que acontece, no dia a dia, é que os agricultores misturam a soja de todas as suas terras para vender. Mas, com a entrada da EUDR, eles teriam que mudar toda essa operação, e separar a soja desses dois pedaços de terra.
A mesma lógica funcionaria para os silos (onde os grãos são armazenados) e para as tradings, explica Sueme. É o que a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) e a Abiove chamam de segregação do produto. Ambas destacaram preocupação com esse ponto.
“Todo o processo de checagem e auditagem previsto na EUDR, além de complexo, traz um risco associado para as empresas que realizam o comércio”, disse o presidente da Aprosoja, Maurício Buffon, em julho, durante encontros com membros da Frente Parlamentar da Agropecuária e representantes do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
“Neste cenário, a grande preocupação é de que os custos e riscos inerentes ao cumprimento da norma gerem lentidão ou queda no comércio, ou pior, redução no preço pago ao produtor”, completou.
O g1 não conseguiu contato com Buffon até a publicação desta reportagem.
Qual a importância da UE para a soja brasileira?
O Brasil é o maior produtor e exportador de soja do mundo. Considerando todo o volume, a maior parte das vendas para o exterior tem a China com destino.
O mercado europeu tem um peso grande na exportação de farelo de soja, usado para ração: 40% de tudo o que é vendido para outros países vai para o continente.
“Esse é o produto mais valioso para nós”, diz Pires, da Abiove, ressaltando que o farelo tem mais valor agregado que o grão de soja.
“No total, a exportação de grão e de farelo de soja para Europa é um mercado de US$ 11 bilhões (mais de R$ 60 bilhões), ou seja, 14% das exportações totais que vão para o continente europeu. É muita coisa”, pontua.
Danone fez mais um pronunciamento
Na noite de sexta-feira (1º), a presidente da Danone América Latina, Silvia Dávila, fez mais um pronunciamento sobre a compra de soja pela companhia. Na quarta-feira (30), ela já tinha feito uma declaração sobre o tema.
Silvia também faz parte do Comitê Executivo Global da multinacional francesa. Veja abaixo a nova nota.
“Reafirmamos que não há medidas restritivas para a compra de soja brasileira na cadeia de suprimentos da Danone em todo o mundo.
Isso se aplica não apenas à cadeia de suprimentos brasileira, mas também a outros países onde operamos.
Novamente, a informação que circula sobre este assunto não é precisa.
A Danone continua a comprar soja brasileira, e isso é um insumo essencial para nossos produtores de leite.”
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Leia também:
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CNA/Wanderson Araujo/Trilux
A soja brasileira foi assunto nesta semana, depois de uma fala do diretor financeiro global da Danone repercutir negativamente entre o governo brasileiro e os agricultores do país.
Juergen Esser disse à agência Reuters que a gigante de laticínios tinha deixado de importar soja brasileira.
Sem explicar motivos, ele afirmou que a multinacional francesa estava importando soja da Ásia e acrescentou: “Nós realmente temos um rastreamento muito completo, então garantimos que levamos apenas ingredientes sustentáveis do nosso lado”, de acordo com a reportagem.
O Ministério da Agricultura e produtores de soja repudiaram as falas, defendendo a produção brasileira, a maior do mundo.
Sem explicar a fala de Esser, a Danone Brasil e a presidente da Danone América Latina disseram que a divulgação tinha “informações incorretas” e que os países onde a empresa está continuam comprando soja nacional.
Tudo aconteceu às vésperas de entrar em vigor a lei da União Europeia que proibirá a importação de produtos vindos de áreas que foram desmatadas depois de dezembro de 2020.
Conhecida como European Union Deforestation Regulation (EUDR), ela começa a valer no próximo dia 30 de dezembro, mas pode ser adiada em 1 ano.
➡️ Afinal, a soja produzida no Brasil poderá ser vendida para União Europeia quando a regra começar? A lei prejudica o comércio com a UE? A produção brasileira segue padrões de sustentabilidade?
O g1 ouviu associações de produtores e da indústria da soja, que têm participado de discussões com a Europa sobre a nova regra, e também ambientalistas. Eles destacaram os seguintes pontos:
a lei europeia mira apenas produtos que vêm de floresta, o que abrange somente a soja da Amazônia e de parte do Cerrado, onde existe pouca produção em áreas de desmatamento, segundo Bernardo Pires, diretor de sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
na Amazônia, por exemplo, existe um acordo para que empresas de exportação não comprem soja de área que tenha sido desmatada a partir de 2008, chamado Moratória da Soja. Por causa dele, o Brasil tem, hoje, ferramentas para rastrear o grão e atender ao mercado europeu, diz Cristiane Mazzetti, coordenadora da frente de florestas do Greenpeace Brasil;
mas a associação dos produtores (Aprosoja) alertou, em julho, sobre incertezas com relação ao sistema de checagem e auditagem que seria implementado pelos europeus e a preocupação de que os custos e riscos para o cumprimento da norma “gerem lentidão ou queda no comércio, ou pior, redução no preço pago ao produtor”;
o fato de a lei europeia não diferenciar desmatamento ilegal do legal (previsto no Código Florestal brasileiro) também é um ponto de atenção, diz Sueme Mori, diretora de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA).
não existe uma Moratória da Soja para o Cerrado, onde está a maior parte da área plantada de soja no Brasil; ela é defendida por ambientalistas.
Saiba mais sobre esses desafios abaixo.
De onde vem a soja?
Pires, da Abiove, explica que, dos 87 milhões de hectares do território brasileiro (cerca de 10%) usados na agricultura, “quase metade é soja (46 milhões de hectares)”. Um hectare é igual a 10.000 metros quadrados, pouco mais do que um campo de futebol.
Segundo ele, a produção do grão se divide assim:
50% (23 milhões de hectares) no Cerrado;
24% (11 milhões) na Mata Atlântica;
16% (7,4 milhões) na Amazônia;
10% (4,5 milhões) nos Pampas, que ficam na Região Sul.
Ainda de acordo com Pires, a soja plantada no Brasil em área de desmatamento, depois de dezembro de 2020 – período que é enquadrado na lei europeia —, corresponde a pequenos percentuais de toda a área desse cultivo:
0,4% da soja na Amazônia;
0,8% da soja no Cerrado.
Essas seriam as áreas cujo produto seria vetado pela UE, quando a lei entrar em vigor. Os dados acima são de um levantamento encomendado pela Abiove à Agrosatélite Tecnologia – empresa comprada pela Serasa Experian em 2023. Ela atua na Moratória da Soja, que regula a produção na Amazônia.
“Hoje o impacto (da nova lei europeia na exportação de soja para a UE) seria relativamente pequeno”, diz Pires. “Então, não é justo classificar o Brasil inteiro como um país de alto risco para soja, como eles (europeus) vêm afirmando há muito tempo.”
Arroz branco, parboilizado e integral: entenda as diferenças
A Moratória da Soja e a Amazônia
🔎 O que é? A Moratória da Soja é um acordo voluntário firmado em 2006 entre ONGs, empresas e associações do agro, no qual as tradings – responsáveis pela exportação e importação – se comprometem a não comprar soja de áreas que tenham sido desmatadas de 2008 em diante, na Amazônia. Ou seja, ainda antes do período enquadrado na lei europeia, que é depois de 2020.
O acordo conta com a participação da Abiove, da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), além de organizações ambientais como o Greenpeace, WWF e Imaflora.
Ele levou a uma redução da produção de soja em áreas desmatadas, diz Pires, apesar de o cultivo na Amazônia ter aumentado de lá para cá.
“A Moratória provocou uma expansão do plantio para terras desmatadas antes de 2008”, explica o diretor da Abiove. “Na Amazônia, 97% da produção de soja está em áreas abertas antes desse período.”
“Na época em que o acordo foi feito, em 2006, tinha 1,4 milhão de hectares (de soja plantada na Amazônia). Em 18 anos, teve um incremento de 6 milhões hectares”, diz Pires.
“Desses 6 milhões de hectares que foram incorporados os últimos 18 anos, apenas 250.000 hectares foram em cima de desmatamento da floresta, de acordo com monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)”, completa.
Mesmo assim, diz Pires, a área plantada é pequena: “98% da Amazônia não tem soja (…) Isso o Macron também não sabia quando fez aquele discurso”.
Em 2021, o então presidente da França, Emanuel Macron, postou em suas redes sociais que “continuar dependendo da soja brasileira é endossar o desmatamento da Amazônia”. Ele não apresentou dados que sustentassem a afirmação. “Nós precisamos da soja brasileira para viver? Então nós vamos produzir soja europeia ou equivalente”, completou.
Entenda por que o preço do azeite aumentou e quando vai baixar
A situação do Cerrado
Não existe, no entanto, uma Moratória para o Cerrado, onde está a maior parte da soja.
Nessa área, o Matopiba é a região que demanda mais atenção, segundo Pires, pois é para este local que o plantio do grão tem se expandido, a partir do desmatamento de novas áreas.
O Matopiba compreende partes dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, daí o apelido.
Lá, diz o diretor da Abiove, 2,5% da área de cultivo foi desmatada depois de dezembro de 2020 e, consequentemente, teria seu produto barrado na Europa.
“Hoje, seriam 2,5%, mas, daqui a dois anos, pode ser que sejam 5%”, alerta. “Se os produtores insistirem em converter Cerrado em área com aptidão agrícola, eles terão muitos problemas de comercialização.”
Ambientalistas defendem que a moratória seja expandida para o Cerrado.
Cristiane Mazzetti, do Greenpeace Brasil, lembra que isso já foi tema de discussões no passado, mas encontrou resistências por parte de produtores, principalmente no que diz respeito ao conceito de desmatamento zero.
O governo do Mato Grosso aprovou uma lei, no final de outubro, que restringe a concessão de benefícios fiscais a empresas que aderirem à Moratória da Soja, lembra Alice Thuault, diretora-executiva do Instituto Centro de Vida (ICV), organização que investiga sustentabilidade e uso de recursos naturais.
Principal produtor de soja do Brasil, o Mato Grosso é composto por cerca de 50% do bioma amazônico e 40% de Cerrado.
“É um retrocesso. [Essa lei do Mato Grosso] acaba com esse instrumento [da moratória] e vai contra o objetivo de pôr em prática uma produção de soja sustentável, que é o que demandam mercados consumidores, como a União Europeia”, pontua Alice.
Desafios do rastreamento
Na visão de Pires, da Abiove, agora, os desafios da lei europeia para a soja brasileira estão mais ligados ao rastreamento.
O Brasil já tem experiência com esse acompanhamento por causa da Moratória, como lembrou Cristiane Mazzetti, do Greenpeace. Funciona assim:
todos os anos, a Agrosatélite cruza dados de áreas de soja com terras desmatadas após julho de 2008, na Amazônia;
esse cruzamento de dados dá origem a uma lista de fazendas com a qual as tradings signatárias da Moratória não devem negociar, explica Cristiane.
“Ao longo do tempo, as tradings implementaram sistemas para poder bloquear os fornecedores que têm relação com o desmatamento”, acrescenta a coordenadora do Greenpeace.
Mas Pires, da Abiove, alerta que ainda é não possível rastrear toda a cadeia. “Se o produtor tiver 10 fazendas, você perde a rastreabilidade”, diz.
Segundo ele, é importante conseguir o engajamento dos produtores indiretos, algo que também é um gargalo para a rastreabilidade da carne, como o g1 mostra na série Prato do Futuro.
“(É preciso) evitar triangulação, que é quando o produtor tem quatro fazendas, uma está ruim e as outras três estão boas, e ele ‘lava’ a cultura agrícola por aquela que está boa”, exemplifica.
Conflito com o Código Florestal
O ponto que preocupa a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) em relação à lei europeia é que, ao contrário do Brasil, ela não diferencia desmatamento legal do ilegal.
🔎 O que é o desmatamento legal: no Brasil, é considerado desmatamento legal aquele que acontece com autorização dos órgãos competentes e fora de áreas destinadas à preservação, devolutas ou de domínio público.
O Código Florestal, de 2012, permite que um produtor rural consiga autorização para desmatar parte de sua área para para cultivo agrícola ou criação de animais. Os limites variam conforme a região:
na Amazônia, esse percentual é de até 20%;
no Cerrado, varia entre 35% e 20%.
O texto europeu fala apenas em “desmatamento zero”, segundo Sueme Mori, diretora de relações internacionais da associação, que participa das negociações com o bloco europeu junto ao governo brasileiro e a outras entidades do setor privado.
Ela diz que o Brasil tem dialogado muito com a UE para que haja esclarecimento sobre esse ponto, mas que o bloco não tem cedido.
Cristiane, do Greenpeace, lembra que, na Amazônia, a Moratória da Soja já trabalha com o conceito de desmatamento zero e, justamente por isso, as empresas signatárias do acordo têm condições de atender à Europa.
O problema, para Sueme, é quando um mesmo produtor tem áreas abertas em diferentes períodos. Ele pode ter cultivos de soja numa terra aberta antes de dezembro de 2020 — período enquadrado na lei europeia — e depois disso.
O que acontece, no dia a dia, é que os agricultores misturam a soja de todas as suas terras para vender. Mas, com a entrada da EUDR, eles teriam que mudar toda essa operação, e separar a soja desses dois pedaços de terra.
A mesma lógica funcionaria para os silos (onde os grãos são armazenados) e para as tradings, explica Sueme. É o que a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) e a Abiove chamam de segregação do produto. Ambas destacaram preocupação com esse ponto.
“Todo o processo de checagem e auditagem previsto na EUDR, além de complexo, traz um risco associado para as empresas que realizam o comércio”, disse o presidente da Aprosoja, Maurício Buffon, em julho, durante encontros com membros da Frente Parlamentar da Agropecuária e representantes do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
“Neste cenário, a grande preocupação é de que os custos e riscos inerentes ao cumprimento da norma gerem lentidão ou queda no comércio, ou pior, redução no preço pago ao produtor”, completou.
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Qual a importância da UE para a soja brasileira?
O Brasil é o maior produtor e exportador de soja do mundo. Considerando todo o volume, a maior parte das vendas para o exterior tem a China com destino.
O mercado europeu tem um peso grande na exportação de farelo de soja, usado para ração: 40% de tudo o que é vendido para outros países vai para o continente.
“Esse é o produto mais valioso para nós”, diz Pires, da Abiove, ressaltando que o farelo tem mais valor agregado que o grão de soja.
“No total, a exportação de grão e de farelo de soja para Europa é um mercado de US$ 11 bilhões (mais de R$ 60 bilhões), ou seja, 14% das exportações totais que vão para o continente europeu. É muita coisa”, pontua.
Danone fez mais um pronunciamento
Na noite de sexta-feira (1º), a presidente da Danone América Latina, Silvia Dávila, fez mais um pronunciamento sobre a compra de soja pela companhia. Na quarta-feira (30), ela já tinha feito uma declaração sobre o tema.
Silvia também faz parte do Comitê Executivo Global da multinacional francesa. Veja abaixo a nova nota.
“Reafirmamos que não há medidas restritivas para a compra de soja brasileira na cadeia de suprimentos da Danone em todo o mundo.
Isso se aplica não apenas à cadeia de suprimentos brasileira, mas também a outros países onde operamos.
Novamente, a informação que circula sobre este assunto não é precisa.
A Danone continua a comprar soja brasileira, e isso é um insumo essencial para nossos produtores de leite.”
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