Empresa foi condenada por utilizar mão de obra análoga à escravidão na construção de casas populares no interior de São Paulo A empresa estatal e com fins sociais foi omissa, segundo auditor-fiscal do Trabalho
Divulgação/Governo de SP
A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) entrou recentemente na “lista suja” do trabalho escravo, um cadastro publicado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para dar visibilidade às fiscalizações de combate ao trabalho análogo à escravidão.
Essa é a primeira vez que uma empresa 100% pública entra na “lista suja” desde que ela foi criada, em 2003.
Os empregadores são adicionados ao cadastro depois que todos os recursos do processo administrativo que julgou o caso foram esgotados.
Por isso, há um espaço de tempo entre a fiscalização que constatou o uso de mão de obra em situação análoga à escravidão, e a inclusão na “lista suja”.
O caso da CDHU ocorreu em 2019, quando nove trabalhadores da construção civil foram encontrados em “situação degradante” e sem receber salário há três meses, segundo o relatório de fiscalização ao qual a BBC News Brasil teve acesso.
Os empregados haviam trabalhado na construção de conjuntos habitacionais da CDHU na cidade de Itatiba, a 80 km de São Paulo.
A mão de obra era terceirizada, por meio da construtora Viasol, que começou a apresentar problemas de atraso na entrega das etapas da obra.
Isso gerou um efeito dominó, já que a CDHU foi retendo os repasses à construtora, que, por sua vez, passou a atrasar os salários dos trabalhadores, suspender a compra de material até, por fim, deixar de pagar completamente os funcionários.
Sem receber salário e com a obra suspensa, os trabalhadores foram levados para uma construção abandonada na cidade onde a Viasol ficava sediada, em Jaguariúna, a 60 km de Itatiba.
Foi ali que eles foram resgatados, em moradia precária, sem energia elétrica, água potável e escassez de alimentos, segundo o relatório de fiscalização.
“As obras foram paralisadas por problemas contratuais, e os trabalhadores ficaram largados à própria sorte: sem moradia, sem dinheiro, com salários atrasados, sem rescisão contratual e impossibilitados de retornarem às suas cidades de origem” explica Rafael Brisque Neiva, auditor fiscal do Trabalho.
Muitos deles eram do Maranhão, e, sem salário, não conseguiam voltar para casa.
“Então, a empresa os manteve no alojamento improvisado em Jaguariúna, ao lado de sua sede, e em condições degradantes.”
O auditor-fiscal explica que a Viasol não aceitava o rompimento do contrato, alegando que ainda tinha verba a receber da CDHU. “Mas os trabalhadores não têm nada com isso”, diz o auditor.
Após uma denúncia, a fiscalização foi até o local do alojamento e constatou, dentre outras coisas, a suspensão dos salários e a situação degradante do alojamento, infrações que caracterizam situação análoga à escravidão.
A CDHU afirmou, por meio de nota à BBC News Brasil, que “não houve qualquer irregularidade por parte da companhia”.
“Os trabalhadores eram contratados por empresa que prestou serviço à CDHU até 2019, quando houve a rescisão de contrato por descumprimento de cláusulas quanto à execução das obras. A fiscalização citada ocorreu em data posterior à rescisão de contrato, no fim de 2019. O alojamento citado não era em canteiro da CDHU, mas em um imóvel do proprietário da empresa terceirizada, situado na cidade de Jaguariúna, onde não havia obras da empresa em andamento.”
A CDHU ainda afirmou que está tomando “todas as providências cabíveis para que se corrija o erro e que se exclua a companhia da lista”.
A BBC News Brasil tentou contato com a Viasol, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem.
A ‘lista suja’ do trabalho escravo foi criada em 2003 e é considerada um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil
Agência Brasil via BBC
Rafael Neiva afirma que, em relação à “lista suja”, chama a atenção o fato de a CDHU ser uma empresa pública.
“Trata-se de uma empresa estatal com fins sociais, que é a construção de moradia para a população de baixa renda, mas que, contraditoriamente, não foi diligente para garantir os direitos humanos e sociais dos trabalhadores terceirizados”, diz.
“Teoricamente, o Estado deveria zelar, dar o exemplo pelas condições seguras e dignas de trabalho.”
A BBC News Brasil questionou o governo do Estado de São Paulo, responsável pela CDHU, mas não houve resposta.
Para o auditor fiscal, manter trabalhadores em condições degradantes é inadmissível para quaisquer empresas, no entanto, o envolvimento de uma empresa pública do estado de São Paulo torna a situação “ainda mais grave e preocupante.”
Para Marina Ferro, diretora-executiva do Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (Inpacto), a CDHU deveria criar mecanismos de reparação. “Assim como quando uma empresa privada cai na “lista suja” isso causa rapidamente um efeito reputacional, no caso da CDHU, ela deveria ter um processo parecido: fazer um TAC [Termo de Ajuste de Conduta], pagar multa, algo que promova a reparação”, afirma.
“O fato de ser uma empresa pública na ‘lista suja’ é preocupante, e o fato de eles negarem a responsabilidade é ainda mais grave”, afirma. “O Estado, que é quem deveria proteger, deveria ter mais critérios para as suas contratações.”
Fundada em 1949 com o nome Caixa Estadual de Casa para o Povo (CECAP), a CDHU executa programas habitacionais em todo o Estado de São Paulo, exclusivamente para famílias com renda na faixa de um a dez salários mínimos.
Desde que iniciou suas atividades, construiu e comercializou mais de 500 mil unidades habitacionais em quase todos os 645 municípios paulistas.
Segundo o site da companhia, ela movimenta cerca de R$ 1,5 bilhão ao ano. Com a abrangência e histórico, a companhia se autointitula a “maior companhia de habitação de interesse social do país”.
Brasil registra recorde de denúncias de trabalho escravo em 2024, diz ministério
Terceirizadas também são responsabilizadas
Essa não foi a primeira vez que trabalhadores em um canteiro de obra da CDHU foram encontrados em situação análoga a de escravo.
Em 2012, 50 funcionários foram resgatados de uma construção de um conjunto habitacional da companhia paulista em Bofete, também no interior de São Paulo.
Na época, a obra também estava sendo executada por uma construtora terceirizada, a Croma, que acabou sendo a única autuada e indo, sozinha, para o cadastro do trabalho escravo.
Agora, a CDHU acabou sendo responsabilizada também graças à alteração, em 2017, da lei que regulamenta o trabalho temporário.
Desde então, as empresas contratantes tornaram-se também responsáveis pelas condições de segurança e saúde dos trabalhadores terceirizados.
“Essa foi a primeira ação fiscal em que uma contratando foi responsabilizada por condição análoga de escravo”, diz Neiva. “E toda fundamentação está baseada nessa lei.”
“Até então, apenas a contratada era responsabilizada”, explica o auditor.
Saiba o que é trabalho escravo
‘Lista suja’
A “lista suja” do trabalho escravo foi criada em 2003. Ela é considerada um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil e um modelo a ser seguido por outros países.
“É uma referência mundial”, afirma João Paulo Godoy, coordenador de defesa dos direitos socioambientais da Conectas, ONG que atua na defesa dos direitos humanos.
“Tanto para a OIT [Organização Internacional do Trabalho], que já reconheceu isso diversas vezes ao longo desses mais de 20 anos, como para outros países onde essa política foi apresentada como modelo.”
A partir da “lista suja”, empresas e bancos públicos podem negar crédito, empréstimos e contratos a fazendeiros e empresários.
No fim de 2014, o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e hoje ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, acatou um pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), organização que reúne algumas das principais empreiteiras do país, e suspendeu em caráter liminar a publicação da lista.
O documento só voltou a ser publicado em 2017, depois de uma batalha judicial que chegou até a uma denúncia contra o Brasil na ONU. Em 2020, o STF encerrou o julgamento da ação ajuizada pela Abrainc, decidindo que a lista é constitucional.
Construção civil foi a área com o maior número de trabalhadores resgatados no ano passado
Fernando Frazão/Agência Brasil/Arquivo
Os empregadores que entram no cadastro ficam ali por dois anos, período em que há novas inspeções para monitorar a regularidade das condições de trabalho. Caso sejam verificadas novas infrações, o empregador permanece na lista por mais dois anos.
Em julho do ano passado, uma nova regra passou a valer para empregadores responsabilizados por mão de obra escrava, permitindo que o tempo de permanência no cadastro seja reduzido.
Para isso, o empregador precisa firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), pagar no mínimo 20 salários mínimos para cada vítima e destinar, no caso de médias e grandes empresas, 2% de seu faturamento bruto (até o limite de R$ 25 milhões) em programas de assistência aos trabalhadores resgatados ou vulneráveis. Além disso, precisará monitorar sua cadeia de fornecedores.
Para Godoy, da Conectas, essa mudança pode ser positiva, contanto que ela possa ser fiscalizada. “O Brasil tem um déficit de auditores fiscais há anos”, diz.
“Precisamos de, no mínimo, duas mil pessoas a mais para minimamente dar conta de cobrir todo o território”, afirma.
“Por isso, embora a ideia de firmar um TAC seja boa, a questão é se teremos os mecanismos necessários para verificar se a empresa ou o empregador está cumprindo o que prometeu fazer.”
Construção civil, café e cebola
Em 2025, o Brasil celebra 30 anos do reconhecimento oficial da existência de formas contemporâneas de escravidão, quando o governo passou a tomar medidas para erradicá-lo.
Naquele ano de 1995, o Ministério do Trabalho e Emprego criou o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), impulsionado pela história de uma mãe que enfrentou fazendeiros para libertar o filho do trabalho escravo.
Desde então, a inspeção do Trabalho do MTE, resgatou 65.598 trabalhadores e trabalhadoras em 8.483 ações fiscais.
A criação da “lista suja” veio nessa esteira de outras políticas anteriores. Entre os anos de 2003, quando começou a ser registrada a série histórica, e de 2024, mais de R$ 155 milhões em verbas trabalhistas e rescisórias foram pagos às vítimas.
Somente no ano passado, foram resgatados 2.004 trabalhadores em condições análogas à escravidão, em 1.035 ações fiscais.
As áreas com maior número de resgatados em 2024 foram a construção civil, cultivo de café e cultivo de cebola.
E os estados com o maior número de ações fiscais no ano passado foram São Paulo (191), Minas Gerais (136), Rio Grande do Sul (82), Paraná (42) e Espírito Santos e Rio de Janeiro, ambos com 41 ações cada.
Atualmente, 711 empregadores estão na “lista suja”, que pode ser consultada aqui.
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Divulgação/Governo de SP
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Essa é a primeira vez que uma empresa 100% pública entra na “lista suja” desde que ela foi criada, em 2003.
Os empregadores são adicionados ao cadastro depois que todos os recursos do processo administrativo que julgou o caso foram esgotados.
Por isso, há um espaço de tempo entre a fiscalização que constatou o uso de mão de obra em situação análoga à escravidão, e a inclusão na “lista suja”.
O caso da CDHU ocorreu em 2019, quando nove trabalhadores da construção civil foram encontrados em “situação degradante” e sem receber salário há três meses, segundo o relatório de fiscalização ao qual a BBC News Brasil teve acesso.
Os empregados haviam trabalhado na construção de conjuntos habitacionais da CDHU na cidade de Itatiba, a 80 km de São Paulo.
A mão de obra era terceirizada, por meio da construtora Viasol, que começou a apresentar problemas de atraso na entrega das etapas da obra.
Isso gerou um efeito dominó, já que a CDHU foi retendo os repasses à construtora, que, por sua vez, passou a atrasar os salários dos trabalhadores, suspender a compra de material até, por fim, deixar de pagar completamente os funcionários.
Sem receber salário e com a obra suspensa, os trabalhadores foram levados para uma construção abandonada na cidade onde a Viasol ficava sediada, em Jaguariúna, a 60 km de Itatiba.
Foi ali que eles foram resgatados, em moradia precária, sem energia elétrica, água potável e escassez de alimentos, segundo o relatório de fiscalização.
“As obras foram paralisadas por problemas contratuais, e os trabalhadores ficaram largados à própria sorte: sem moradia, sem dinheiro, com salários atrasados, sem rescisão contratual e impossibilitados de retornarem às suas cidades de origem” explica Rafael Brisque Neiva, auditor fiscal do Trabalho.
Muitos deles eram do Maranhão, e, sem salário, não conseguiam voltar para casa.
“Então, a empresa os manteve no alojamento improvisado em Jaguariúna, ao lado de sua sede, e em condições degradantes.”
O auditor-fiscal explica que a Viasol não aceitava o rompimento do contrato, alegando que ainda tinha verba a receber da CDHU. “Mas os trabalhadores não têm nada com isso”, diz o auditor.
Após uma denúncia, a fiscalização foi até o local do alojamento e constatou, dentre outras coisas, a suspensão dos salários e a situação degradante do alojamento, infrações que caracterizam situação análoga à escravidão.
A CDHU afirmou, por meio de nota à BBC News Brasil, que “não houve qualquer irregularidade por parte da companhia”.
“Os trabalhadores eram contratados por empresa que prestou serviço à CDHU até 2019, quando houve a rescisão de contrato por descumprimento de cláusulas quanto à execução das obras. A fiscalização citada ocorreu em data posterior à rescisão de contrato, no fim de 2019. O alojamento citado não era em canteiro da CDHU, mas em um imóvel do proprietário da empresa terceirizada, situado na cidade de Jaguariúna, onde não havia obras da empresa em andamento.”
A CDHU ainda afirmou que está tomando “todas as providências cabíveis para que se corrija o erro e que se exclua a companhia da lista”.
A BBC News Brasil tentou contato com a Viasol, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem.
A ‘lista suja’ do trabalho escravo foi criada em 2003 e é considerada um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil
Agência Brasil via BBC
Rafael Neiva afirma que, em relação à “lista suja”, chama a atenção o fato de a CDHU ser uma empresa pública.
“Trata-se de uma empresa estatal com fins sociais, que é a construção de moradia para a população de baixa renda, mas que, contraditoriamente, não foi diligente para garantir os direitos humanos e sociais dos trabalhadores terceirizados”, diz.
“Teoricamente, o Estado deveria zelar, dar o exemplo pelas condições seguras e dignas de trabalho.”
A BBC News Brasil questionou o governo do Estado de São Paulo, responsável pela CDHU, mas não houve resposta.
Para o auditor fiscal, manter trabalhadores em condições degradantes é inadmissível para quaisquer empresas, no entanto, o envolvimento de uma empresa pública do estado de São Paulo torna a situação “ainda mais grave e preocupante.”
Para Marina Ferro, diretora-executiva do Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (Inpacto), a CDHU deveria criar mecanismos de reparação. “Assim como quando uma empresa privada cai na “lista suja” isso causa rapidamente um efeito reputacional, no caso da CDHU, ela deveria ter um processo parecido: fazer um TAC [Termo de Ajuste de Conduta], pagar multa, algo que promova a reparação”, afirma.
“O fato de ser uma empresa pública na ‘lista suja’ é preocupante, e o fato de eles negarem a responsabilidade é ainda mais grave”, afirma. “O Estado, que é quem deveria proteger, deveria ter mais critérios para as suas contratações.”
Fundada em 1949 com o nome Caixa Estadual de Casa para o Povo (CECAP), a CDHU executa programas habitacionais em todo o Estado de São Paulo, exclusivamente para famílias com renda na faixa de um a dez salários mínimos.
Desde que iniciou suas atividades, construiu e comercializou mais de 500 mil unidades habitacionais em quase todos os 645 municípios paulistas.
Segundo o site da companhia, ela movimenta cerca de R$ 1,5 bilhão ao ano. Com a abrangência e histórico, a companhia se autointitula a “maior companhia de habitação de interesse social do país”.
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Essa não foi a primeira vez que trabalhadores em um canteiro de obra da CDHU foram encontrados em situação análoga a de escravo.
Em 2012, 50 funcionários foram resgatados de uma construção de um conjunto habitacional da companhia paulista em Bofete, também no interior de São Paulo.
Na época, a obra também estava sendo executada por uma construtora terceirizada, a Croma, que acabou sendo a única autuada e indo, sozinha, para o cadastro do trabalho escravo.
Agora, a CDHU acabou sendo responsabilizada também graças à alteração, em 2017, da lei que regulamenta o trabalho temporário.
Desde então, as empresas contratantes tornaram-se também responsáveis pelas condições de segurança e saúde dos trabalhadores terceirizados.
“Essa foi a primeira ação fiscal em que uma contratando foi responsabilizada por condição análoga de escravo”, diz Neiva. “E toda fundamentação está baseada nessa lei.”
“Até então, apenas a contratada era responsabilizada”, explica o auditor.
Saiba o que é trabalho escravo
‘Lista suja’
A “lista suja” do trabalho escravo foi criada em 2003. Ela é considerada um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil e um modelo a ser seguido por outros países.
“É uma referência mundial”, afirma João Paulo Godoy, coordenador de defesa dos direitos socioambientais da Conectas, ONG que atua na defesa dos direitos humanos.
“Tanto para a OIT [Organização Internacional do Trabalho], que já reconheceu isso diversas vezes ao longo desses mais de 20 anos, como para outros países onde essa política foi apresentada como modelo.”
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No fim de 2014, o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e hoje ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, acatou um pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), organização que reúne algumas das principais empreiteiras do país, e suspendeu em caráter liminar a publicação da lista.
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“Por isso, embora a ideia de firmar um TAC seja boa, a questão é se teremos os mecanismos necessários para verificar se a empresa ou o empregador está cumprindo o que prometeu fazer.”
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Naquele ano de 1995, o Ministério do Trabalho e Emprego criou o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), impulsionado pela história de uma mãe que enfrentou fazendeiros para libertar o filho do trabalho escravo.
Desde então, a inspeção do Trabalho do MTE, resgatou 65.598 trabalhadores e trabalhadoras em 8.483 ações fiscais.
A criação da “lista suja” veio nessa esteira de outras políticas anteriores. Entre os anos de 2003, quando começou a ser registrada a série histórica, e de 2024, mais de R$ 155 milhões em verbas trabalhistas e rescisórias foram pagos às vítimas.
Somente no ano passado, foram resgatados 2.004 trabalhadores em condições análogas à escravidão, em 1.035 ações fiscais.
As áreas com maior número de resgatados em 2024 foram a construção civil, cultivo de café e cultivo de cebola.
E os estados com o maior número de ações fiscais no ano passado foram São Paulo (191), Minas Gerais (136), Rio Grande do Sul (82), Paraná (42) e Espírito Santos e Rio de Janeiro, ambos com 41 ações cada.
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