A nova classificação ainda indica um “grau especulativo” — o que, segundo as agências de risco, aponta que o Brasil está menos vulnerável ao risco no curto prazo, mas segue enfrentando incertezas em relação a condições financeiras e econômicas adversas.
Em outras palavras, o Brasil não tem o chamado “selo de bom pagador”, classificação que sinaliza menor risco de calote para quem investe em títulos do Tesouro Nacional. (saiba mais sobre as notas de crédito abaixo)
Em maio, a Moody’s havia anunciado a manutenção da nota de crédito do Brasil em nível Ba2 e a mudança da perspectiva da avaliação de “estável” para “positiva” — sinalizando uma possível elevação da nota no futuro.
A Fitch Ratings e a Standard & Poor’s (S&P) ainda mantêm a classificação para o Brasil com a nota de crédito BB, com perspectiva “estável”, o que coloca o país em um grau especulativo, mas a dois passos do grau de investimento.
Veja na imagem abaixo.
Veja as notas de crédito do Brasil (ratings) em todas as agências de risco
Arte g1
Na história, o único período em que o país obteve selo de bom pagador foi entre os anos 2008 e 2015. A entrada ou saída do grau de investimento é definida pelas agências de risco a partir de fatores como o nível das reservas internacionais, cenário fiscal e estabilidade política.
Nesta reportagem, você vai entender:
Como funcionam as notas de crédito
A trajetória da nota do Brasil em cada agência
O contexto econômico brasileiro
O que esperar pela frente
Como funcionam as notas de crédito
As agências têm uma longa escala de classificação, com mais de 20 notas. Quanto mais alta a posição, mais eficiente, confiável e robusta é a economia — e menor o seu risco.
Há ainda uma divisão em duas “prateleiras” principais:
Grau de investimento;
Grau especulativo.
O grau de investimento é um selo de qualidade que assegura aos investidores um menor risco de calotes. A partir da nota de crédito que determinado país recebeu, os investidores podem avaliar se a possibilidade de ganhos (por exemplo, com juros) compensa o risco de perder o capital investido com a instabilidade econômica local.
O grau especulativo surge quando o país perde o selo de bom pagador, porque as agências deixam de dar sua chancela de segurança para um investimento. Nessa situação, é comum que o país perca também possibilidades de investimento.
Alguns fundos de pensão internacionais, de países da Europa ou Estados Unidos, por exemplo, seguem a regra de que só se pode investir em títulos de países que estejam classificados com grau de investimento por agências internacionais.
“Ter esse selo, portanto, facilita a atração de capital. E à medida que o país recebe mais recursos, ele amplia sua liquidez e sua capacidade de realizar investimentos”, explica Alex Nery, professor da FIA Business School.
De acordo com analistas de mercado, historicamente, um país que perde o selo de bom pagador costuma levar de 5 a 10 anos para recuperar. O Brasil já está a nove anos no grau especulativo.
A trajetória da nota do Brasil
▶️ A chegada ao grau de investimento
As agências internacionais Fitch Ratings e S&P deram grau de investimento ao Brasil pela primeira vez em 2008, no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Já a Moody’s concedeu o selo em 2009. Com as alterações, o país passou naquela época a ser reconhecido como um destino mais seguro para investimentos estrangeiros.
Na ocasião, a S&P atribuiu a elevação da nota brasileira à mudança na política econômica do país — especialmente com a redução da dívida externa — e à melhora das perspectivas de crescimento.
“Um mercado de consumo maior, com crescimento do mercado de capitais e da formalização dão sustentação às intenções de investimento”, afirmou, na época, a S&P.
Para a Fitch, a concessão do selo de bom pagador foi resultado da “dramática melhora dos resultados do Brasil nos setores externo e público, que reduziu enormemente a vulnerabilidade do país a problemas externos e a choques de câmbio”.
“[Além disso, o Brasil] fortificou a estabilidade macroeconômica e aumentou as perspectivas de crescimento a médio prazo”, informou a agência em nota oficial.
Veja o histórico das notas na imagem abaixo:
Histórico das notas de crédito do Brasil
Kayan Albertin/Arte g1
▶️ Uma nova elevação
Em 2011, o país subiu mais um degrau na classificação de bom pagador pelas três agências. Já era o início do governo de Dilma Rousseff (PT).
Na ocasião, a Fitch afirmou que a melhora na nota refletia a avaliação de que a taxa de crescimento potencial sustentável da economia brasileira tinha aumentado, suportando as perspectivas fiscais a médio prazo e o fortalecimento contínuo da liquidez externa do país.
A S&P, por sua vez, destacou que o governo brasileiro vinha demonstrando seu compromisso em cumprir as metas fiscais.
Já a Moody’s seguiu a mesma linha e enfatizou os ajustes fiscais promovidos pelo país. A agência apontou que o governo vinha se mostrando disposto a reverter políticas expansionistas e a adotar uma posição mais conservadora e consistente com um crescimento sustentável.
A expectativa da agência também era de queda na relação dívida/PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil, em conformidade com as metas fiscais do país na época.
▶️ Perda do grau de investimento
A S&P foi primeira a retirar o selo de bom pagador do Brasil, em setembro de 2015. A ação foi seguida pelas agência Fitch, no mesmo ano, e pela Moody’s, em 2016. Foram dois anos de intensa crise econômica, depois do fim do manejo de preços no governo de Dilma.
Em seu comunicado, a Fitch apontou que o rebaixamento do Brasil refletiu uma recessão econômica mais profunda do que a prevista. Citou também o aumento das incertezas — o que, segundo a agência, dificultou um cenário de controle fiscal.
A S&P seguiu a mesma linha e destacou, na época, que o país passava por uma deterioração nas contas públicas, enquanto enfrentava desafios políticos.
Aquele ano foi marcado, entre outros pontos, por discussões em torno de um ajuste fiscal e de uma reforma política.
No ano seguinte, a Moody’s destacou que o corte da nota foi influenciado pela maior deterioração das métricas de crédito do Brasil, em um ambiente de baixo crescimento, com expectativa de aumento da dívida do governo nos anos seguintes.
O contexto econômico brasileiro
Um grau de investimento não é alcançado da noite para o dia. A classificação depende de um processo mais longo de construção de confiança, que é alicerçada, principalmente, em bons resultados econômicos e em um cenário político estável.
“As agências analisam se o crescimento econômico do país é sustentável, observam como anda a dívida pública, se há esforço para o controle das contas. Além de outros pontos, como o controle da inflação, a política monetária e reformas”, explica o professor Alex Nery, da FIA Business School.
Fator importante para a análise das agências, o PIB do Brasil, por exemplo, já vinha apresentando dados positivos anos antes da primeira elevação da nota de crédito do país.
Em 2000, a economia brasileira havia crescido 4,4%. Todos os anos seguintes também foram de resultados favoráveis, até a pequena retração registrada em 2009, em meio à crise econômica global que se iniciou nos Estados Unidos.
A crise do subprime, como ficou conhecido o episódio, levou terror ao mercado financeiro. Em síntese, o problema teve origem no acesso desenfreado ao crédito imobiliário no país, criando uma bolha no setor.
O ápice da crise ocorreu após setembro de 2008, quando o banco Lehman Brothers, uma das maiores instituições de investimentos do país, quebrou. Foi, então, que a contaminação do sistema financeiro se espalhou pelo mundo, gerando falta de confiança e impactando o mundo todo.
Mesmo com a retração em 2009, os dados positivos que o Brasil já vinha registrando ajudaram a manter o grau de confiança no país.
Veja no gráfico abaixo a variação do PIB brasileiro:
Naqueles anos, o Brasil também se beneficiou do chamado “boom das commodities” — que, na época, impulsionou as exportações brasileiras, com uma China superaquecida — e de uma série de medidas do governo para incentivar a economia local em meio à crise global.
O resultado foi o maior avanço do PIB na história recente do Brasil, de 7,5%, em 2010. Foi esse cenário que garantiu mais uma elevação da nota de crédito do país em 2011 pela S&P, Fitch e Moody’s.
A dívida do setor público em relação ao PIB, outro ponto essencial na análise das agências, também vinha em processo de melhora — ou seja, de redução — no início dos anos 2000.
“Em 2003, a dívida era, em média, de mais de 70% em relação ao PIB. E esse valor foi caindo, chegando a 63% em 2007. Então, era uma relação decrescente, o que é positivo aos olhos das agências. Significa um esforço fiscal”, explica Alex Nery.
Veja no gráfico abaixo:
O caminho inverso começou a ser desenhado anos depois, até resultar na perda de grau de investimento e em novas reduções na nota do Brasil.
Em 2014, a dívida do governo em relação ao PIB iniciava um movimento de alta mais evidente, chegando ao patamar de 70% em 2015 — ano em que o país deixou de ter o selo de bom pagador.
A dívida pública seguiu em alta, atingindo a casa de 80% do PIB em 2017. O cenário foi o suficiente para duas novas quedas de notas do país: em 2016 e 2018.
Nesses anos, a nota do país caiu de BB+ para BB- tanto pela S&P quanto pela Fitch. Na Moody’s, a queda foi de Baa3 para Ba2.
O que esperar pela frente
Com exceção da Moody’s, o Brasil segue a dois degraus de obter selo de bom pagador pelas agências Fitch e S&P.
Para Alex Nery, no entanto, algumas barreiras têm dificultado a elevação da nota brasileira. Uma delas é o fato de o país enfrentar um histórico político recente mais turbulento do que em meados de 2008.
“Temos também fatores como a pandemia de Covid-19 e todo um endividamento que foi surgindo a partir dos eventos recentes. Isso não quer dizer que o Brasil não vai conseguir grau de investimento, mas ainda é preciso fazer a lição de casa e colocar as coisas em ordem”, diz o professor da FIA.
No caso da Moody’s, a perspectiva “positiva” lançada pela agência em maio deste ano sinaliza que, com o cenário atual, a empresa pode elevar a nota do país em um degrau rumo ao selo de bom pagador. (reveja na arte no início desta reportagem)
Já na S&P e na Fitch, a nota BB dada pelas duas agências está acompanhada de uma perspectiva “estável” — o que, na prática, significa que não há tendência nem de elevação nem de queda da nota.
Após a empolgação do mercado com as aprovações das reformas tributária e da Previdência — que beneficiaram a nota brasileira nas últimas decisões —, o desafio, agora, está na execução e na condução dessas e outras medidas já aprovadas no país.
Alex Nery, da FIA, também inclui na conta o arcabouço fiscal, que ficará no radar das agências daqui para frente. “O desenho do arcabouço é interessante, mas, se mudar muito a meta fiscal, ele perde credibilidade. Esse é outro fator de atenção para as agências de risco”, conclui o especialista.